quarta-feira, 30 de abril de 2008

sem mocinhos nem bandidos

resenha para a Editora Barcarola, agosto de 2007

O romance do espanhol José Ovejero ganhou o prestigiado Prêmio Primavera da Literatura

As Vidas Alheias é um romance europeu. Mas na Europa descrita por José Overejo não há espaço para adjetivos como clássico e civilizado, comumente associados ao velho mundo. O escritor espanhol revela o continente que se esconde sob o tapete, aquele dos imigrantes que vendem Kebab pelas ruas, a nova Europa que mantém os velhos vícios imperialistas e exploratórios. O livro que ganhou o “Prêmio Primavera da Literatura”, um dos mais importantes da Europa, é também uma história de conflitos pessoais, de fraquezas humanas, de vidas que se cruzam, enfim.

O enredo gira em torno da chantagem de alguns jovens belgas, que descobrem a foto de um antigo explorador em ação no Congo. Em tempos politicamente corretos, a imagem se tornaria constrangedora para um dos descendentes deste explorador, o empresário Lebeaux. Ele é presidente de uma grande companhia que ainda mantém negócios na África, valendo-se da exploração de mão-de-obra semi-escrava e se aproveitando dos conflitos que espalham sangue pelo continente. Mas nos círculos sociais de Bruxelas é um homem respeitado, amigo de políticos influentes, cioso por manter sua boa imagem.

O cenário também é emblemático: Bruxelas é a capital da União Européia e os personagens e histórias pessoais, envolvendo imigrantes de países pobres, são comums a todas as capitais do Velho Mundo. Os impasses também: os chantageadores contam com a ajuda de um africano, Kasongo. Ao mesmo tempo, um deles, o belga Claude, queixa-se pelo fato de que Bruxelas é cada vez menos uma cidade européia e diz que gostaria de se pintar de negro para conseguir os benefícios sociais que recebem os imigrantes. De repente, não há campos definidos e temas como xenofobia, identidade nacional e deterioração de instituições tradicionais se espalham nas entrelinhas. É a globalização do barbarismo. Mesmo Kasongo, que foi buscar asilo na civilizada Bruxelas, numa certa altura do livro diz: “Para isso havia Kasongo atravessado o mundo? Para nunca sair do mesmo lugar?”, pergunta-se, ao se deparar com a paisagem miserável de um bairro periférico habitado por imigrantes, na capital belga.

Não há mocinhos e bandidos em As Vidas Alheias. Parece que o mundo pós-moderno e globalizado já não comporta a velha divisão maniqueísta do bem e do mal. O livro conta, sobretudo, uma história da atualidade, em que os indivíduos se sobressaem, mesmo quanto estão todos inseridos em um mesmo processo social. José Ovejero não fez um livro sobre a história de exploração africana, mas sobre a luta de sobrevivência de Kasongo, o complexo de perdedor de Claude, a rebeldia de Daniel e as questões de auto-afirmação de Lebeaux.